De memórias memoráveis
A espera já ia longa. Registos ao vivo e bandas sonoras à parte, há já oito anos que não havia Daft Punk para ninguém. Random Access Memories representa, portanto, um regresso muito aguardado. Porém nem todos parecem estar contentes. A crítica mais ou menos especializada parece dividir-se entre os que o consideram a obra-prima da banda francesa, e os que se sentiram algo defraudados por tanta expectativa. E talvez a questão resida aí mesmo, na gestão da expectativa. Passou muito tempo. Se tivessem feito este trabalho há cinco anos atrás, seria seguramente diferente, e talvez mais consensual. Mas não fizeram. E pelo meio aconteceram coisas. Human After All, o antecessor, estava composto de um tom mais maquinal e agressivo, também ele sequência não especialmente previsível de um épico Discovery. Se recuarmos a Homework então, as diferenças são, de facto, enormes. Mas a verdade é que Guy-Manuel de Homem-Christo e Thomas Bangalter já não têm vinte anos. Desde então, passou muito tempo. Continuando a ser, sem margem para dúvidas, Daft Punk, este seu quarto álbum é prova disso. Nesse sentido, não é bom nem é mau, é o que é.
RAM faz-se de uma certa nostalgia, de um tom melancolicamente dançável. Faz-se de um espírito de homenagem, quase de reverência a coisas que já foram, e que passam, à sua custa, a ser outra vez, sob uma nova luz. Admitamos: o retro está na moda e ninguém está muito chateado com isso.
Com tudo isso é, no seu todo, um disco que berra menos, que não tem como objectivo principal fazer-se notar. Até porque não precisa. O estatuto que a banda adquiriu com a sua relativamente escassa produção permite-lhe isto: pôr cá fora um álbum algo mais low-profile, mas que nem por isso passa mais desapercebido ou é menos statement do que qualquer outro. (Apetece arriscar aqui um “pelo contrário”.)
Conta com hinos de encher as medidas, Give Life Back to Music, Lose Yourself to Dance, Contact – e a inegável Get Lucky – que vão passar nas rádios, nas discotecas e nos lábios de muita gente, sejam fãs fiéis ou momentâneos; conta com o tema-manifesto Giorgio by Morodor e com outros talvez menos recordáveis, como o instrumental Motherboard, que poderia perfeitamente, no entanto, constar de Discovery. Com convidados a dar também o seu contributo, dos quais se destaca o de Pharrell Williams, assim se faz representar mais um momento concreto da carreira e das vidas dos Daft Punk.
Melhora claríssima desde o registo anterior, Random Access Memories não consegue tocar Discovery (esse sim, a obra-prima), mas é com toda a certeza um álbum igualmente memorável.