Tenho um amigo que diz que só considera arte o que ele não consegue fazer em casa. Acha ele que para produzir seriamente qualquer arte é preciso treino formal ou um talento avassalador que o substitua mas tem de haver uma barreira entre os artistas e os demais humanos. Os Future Islands mostram isso mesmo, como é enganadoramente simples fazer uma música com sintetizadores e uma voz irrepetível. Engana porque parece que o conseguimos fazer com um programita manhoso e um amigo com uma voz agradável na cave de nossa casa.
Não conseguimos ser os Future Islands e replicar a sua arte por duas razões. A primeira prende-se com o facto de a sua música não depender de truques de sintetizador mas sim de uma base instrumental sólida com teclas de importância cirúrgica e um baixo em estado de perigosa contenção como uma bomba com a tampa mal aparafusada. Para fazer esta review ouvi o disco umas boas dez vezes e só depois fui pesquisar apresentações ao vivo para entender quanto varia a sonoridade. Tanto o teclista como o baixista não ocupam muito mais do que um metro quadrado enquanto tocam, há ali uma oclusão de movimentos que só em si encerram imensa sensibilidade e dão espaço à segunda parte da receita secreta dos Future Islands: o seu vocalista.
Samuel Herring deve ser um actor incompreendido ou um lorde da dança que falhou as audições. O vocalista e letrista dos Future Islands não pára dois segundos e dá um concerto para um público sentado num estúdio de televisão com a intensidade e dramatismo gestual de um concerto campal num festival de Verão. Os Future Islands tiveram um enorme boom de popularidade precisamente quando foram ao programa de David Letterman e lá soltaram o seu vocalista. É essa extrusão expressiva que impossibilita a gravação deste disco noutras condições ou com outras pessoas. Herring é um punk de armário, tshirt dentro das calças como o meu pai mas os movimentos de dança de um rocker à antiga. Há algo de antagónico neste homem vulgar, algo em mim diz-me que não se devia mexer assim ou divertir tanto. Mas sei que o tipo está certo e basicamente o segredo é curtir.
Singles é então um disco fácil de curtir, um prazer nada culpado e bastante inesperado que dá vontade de sentir expansivamente da forma selvagem e desinteressada que Herring usou para o gravar.