Como numa missão arqueológica, o vintage está a retirar o pó a vários estilos musicais para os exibir no museu mais próximo. Desta feita, a expedição viajou desde os anos 70/80 até hoje para nos trazer um estilo algo ignorado em Portugal, o Funk. Por cá não chegamos a ter guetos, não houve blaxploitation televisiva ou cinematográfica e o hip hop é relativamente recente e algo mestiçado com outros géneros mais europeus. Ainda assim, enquanto ouvia Uptown Special de Mark Ronson em público, tive mais reacções positivas do que com qualquer outro álbum que estivesse a ouvir no momento. Arrisco até a dizer que foi o álbum mais comentado desde que ouço música propositadamente para comentar aqui na Noizze.
De facto este é um disco “engenhado” para o sucesso, mais do que um rasgo inesperado de inspiração é um movimento calculado de som e estética destinado a agradar. Mark Ronson sabe o que a malta quer ouvir. Ele é o talento anónimo por detrás de canções e albuns de Nikka Costa, Sean Paul, Macy Gray, Robbie Williams, Christina Aguilera, Kaiser Chiefs, Rufus Wainwright, Q-Tip, Adele, Lilly Allen e Amy Winehouse. Mark Ronson é o profissional que faz discos que vendem milhões de unidades, compram milhares de horas na rádio mas que ninguém fora do meio conhece. Com este Uptown Special isso poderá mudar.
Desde logo o quentinho single Uptown Funk que põe mesmo a anca mais enferrujada a menear neste inverno gelado com o swing único de Bruno Mars a marcar o mote. É uma canção com os elementos festivos para ser uma música obrigatória em qualquer aniversário ou saída para copos. Ainda há dias, no lançamento do bólide para a época de 2015, a equipa Lotus de Fórmula 1 (que tem o melhor marketing da indústria) usou a hashtag #GottaKissMyselfImSoPretty numa clara alusão à canção do momento e à frase que só um tipo com a pinta de Bruno Mars conseguia declamar com estilo. Mas o disco não se esgota por aqui. Há três canções com a colaboração de Kevin Parker dos Tame Impala, em viagens mais sintetizadas e serenas. De notar também a voz segura de Mystical a dizer mais motherfuckers que eu consegui contar na sua Feel Right e da “achada” Keyone Starr, miúda de 23 anos que Ronson encontrou numa paróquia do Mississipi e que canta impecavelmente “I Can’t Lose” como se fosse uma das estrelas confirmadas que aparecem no resto do disco.
Ronson conseguiu com este disco um feito quase inédito. Juntou vários artistas diferentes num disco laboratorial mas nada esterilizado, é uma peça que tinha tudo para ser autómata mas que consegue ter vida, calor, pulsar. É um álbum de transpiração como parece ser o modus operandi de Ronson. Não é um disco perfeito, não será o disco do ano, tem defeitos impossíveis de ignorar mas por isso mesmo é o disco que Janeiro precisava.