10 anos de intervalo cheira sempre a fim antecipado sem anuncio prévio e sem dar satisfação a quem nutre mais do que uma simpatia ou afecto musical. Durante estes 10 anos sentimo-nos abandonados, perdidos, olhávamos para os discos antigos como se tratasse das fotografias de um amor perdido e onde a raiva nunca se apoderou da nossa vida. Se por um lado havia um sentimento de tristeza profunda, por outro, havia a alegria de um dia termos sentido o prazer desse amor ou a satisfação de ter partilhado uma certa cumplicidade.
2015 começa, e a nossa cabeça já anda bem longe de pensar que o trio de embaixatrizes do movimento Riot Grrrl poderiam um dia voltar a dar-nos música… mas… fomos surpreendidos… quer pela novidade, quer pela qualidade do disco. 10 anos de interregno é muito tempo, estamos todos de acordo, mas regressar com um disco como No Cities To Love dá razão às Sleater-Kinney em terem estado tanto tempo em banho Maria. Não quero cair no erro de dizer que este é o melhor disco das Sleater-Kinney, mas tenho a certeza que certamente este No Cities To Love estará nos TOPs de tudo o que é sites, revistas, blogs ou do que quer que seja…
É inegável que este é o disco onde menos se sente o tal Riot Grrrl, mas é sem dúvidas o disco mais maduro, o disco capaz de atingir um maior número de pessoas, fugindo a comercialismos fáceis e banais. É um disco onde a identidade das Sleater-Kinney nunca será posta em causa, mas estamos diante de um trabalho que até nos dá vontade de dançar, duma forma harmoniosa e menos agressiva. Podemos dizer que o “Grrrl” está la todo, mas o Riot é menos agressivo. É um Riot esculpido à mão.
É certo que as Sleater-Kinney estão todas na casa dos 40, e Janet Weiss (bateria) até está quase a chegar aos 50, mas a pureza bruta que este disco nos traz é verdadeiramente formidável. O mais normal em bandas que param tanto tempo, seria um disco menos conseguido, como que uma tentativa de voltar a ser jovem se tratasse, mas as Sleater-Kinney não foram em cantigas nem em tentativas. Duma forma astuta e com pitadas de rebeldia, recrearam a sua própria música, preenchendo duma forma inequívoca e primorosa o espaço que está reservado às obras primas do mundo da música.
A presença do produtor John Goodmanson é certamente um factor importante para a qualidade final deste trabalho. John Goodmanson já havia trabalhado com as Sleater-Kinney, onde o sucesso da relação é facilmente reconhecido em disco: Dig Me Out (1997), All Hands On The Bad One (2000) e One Beat (2002). John Goodmanson sabe o que fazer para realçar os pontos fortes da banda, e No Cities To Love consegue situar-se algures entre o conforto sonoro e a confrontação instrumental.
Price Tag abre o disco duma forma amavelmente aguerrida, como se um murro de uma princesa nos atingisse no estômago. A veia para tocar nos temas incómodos é presenteada logo no tema de abertura, como um “acordar” para as rotinas do dia a dia “It’s 9am, we must clock in, The system waits for us…”. Em Fangless as preocupações alteram-se. “Sharp teeth, in a broken jaw” faz-nos questionar se temos mesmo todos os mecanismos à nossa disposição, ou então se nos querem fazer acreditar que o poder que julgamos ter não passa de uma ilusão.
O poder rítmico de Surface Envy traz-nos um pouco do que foram as Sleater-Kinney nos anos 90, enquanto que a faixa que dá nome a este trabalho é talvez a mais marcante deste disco e trás consigo um lamento pela busca desmesurada pelo poder, que normalmente resulta em sentimentos fúteis e vazios em detrimento de relações fortes e próximas.
A New Wave apela à união, rasgando com o status quo, e mostrando como uma pequena fonte de descontentamento se pode transformar em grandes ondas de radicalismo. Musicalmente é uma das muitas canções que encontra o ponto de caramelo na relação entre a força e a melodia. Em Bury Our Friends ficamos cientes da importância de estar de regresso à vida activa “My body has no need for sleep, this time around…”.
Uma mudança consegue dar-nos mais energia do que o descanso, mas as Sleater-Kinney conseguiram fazer que a pausa fosse o mote para a mudança, e as melhorias são bem evidentes. Durante este hiato, viajaram por novos projecto, conheceram novas realidades, experimentaram novas formas de ver a arte. No Cities to Love é um disco arrebatador, que abre as portas a uma geração de rockers e que vai bater de frente com o rock mainstream produzido durante 2014, que essencialmente escondeu a pop atrás duns riff de guitarras.
Este é um disco forte, onde 3 quarentonas mostram que a idade é mesmo um posto, desde que saibamos usar a experiência adquirida no meio onde estamos inseridos.
Em quase dois anos de existência, o noizze andou a vaguear entre os oitos e os noves naqueles discos que nos marcaram positivamente, mas finalmente, encontramos um disco que nos enche as medidas, desde o primeiro acorde de Price Tag até ao ultimo suspiro de Fade.